domingo, 29 de janeiro de 2023

tempo no pampa

da última vez em que cruzei o pampa

o peso do verão derrubava cercas

e matava a gente de sede

 

além das coxilhas o gado corria

no solo arenoso

campanha adentro debaixo do sol

 

o tempo parecia andar para trás

como se a menina da manhã

à noite estivesse dentro da mãe

 

mas o velho do pampa 

há uma vida parado

sozinho dizia que não

domingo, 6 de novembro de 2022

espero que um dia você seja madeira maciça ou nome de praça

a casa parecia cheia pela primeira vez:

os gatos, a york e os livros

na estante de madeira que comprei de

um marceneiro do interior das missões

 

do outro lado do quarteirão havia a

antiga residência do érico v.

nela luís f. v. descansava e talvez ainda

escrevesse notas curtas em um computador

 

érico, o marceneiro e eu:

todos em êxodo rural – das missões à capital

depois da terra vermelha, o lago marrom

(distante por trás de prédios cinzas) reluziu

 

porto alegre nos fez melhor

e cada um viveu seu amor

domingo, 24 de abril de 2022

trinta do nove

 de 1992 até aqui

 

não poderia ter a certeza de como seria a vida

e de todas as vezes que eu fugiria

talvez não seja um problema ser só

e saber socorrer quem pensa que tempo é descanso

 

quantos meses se perdem

em um ano?

 

 – tanta gente parada

a morrer –

 

então corro tão rápido

e por quê?

 

se as dores que ficam são minhas

e os amores que passam também

já não sei se o andar é tranquilo

ou se deus não existe outra vez

 

tenho deixado a fé para depois

(e os pirrônicos esquecidos ao lado)

são dias e noites de amor e de guerra

leio e releio e escrevo

 

os gatos por dentro e por fora

 

de 2022 até o dia em que nasci

terça-feira, 4 de janeiro de 2022

beach baby (aquela música de quando entramos no mar)

recentemente pensei em ti

"beach baby" e kombucha de hibisco

meu mar aberto e tuas mãos molhadas

tranquilamente me vi aqui

comprando novos livros velhos

no sebo do centro — que te mostrei

talvez os leia no próximo ano e

quem sabe te veja também.


praça estado de israel, 30 de dezembro de 2021.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

cata-vento

se no outro hemisfério o sentimento

é a fronteira da espera

talvez neste ele seja forasteiro de

alguma nova era

 

então é melhor deixar morrer no mar

a âncora  

e percorrer todo caminho como

nômade  

 

até as mãos não terem mais dedos

a contar tempo

e os braços irem contra a correnteza

como cata-vento

sábado, 15 de agosto de 2020

confissão

 não cabe em mim

                        a saudade

de cedo ver o sol

                        do campo

confesso em parte

                        a verdade

de não mais sofrer

                        um tanto


não

                        cabe agora

o vazio


esquecido há muito

tempo              aqui

e deixado de lado e


em vão


seria te ligar à noite

falar       e       ouvir

depois    e    sozinha

             morrer


... 


                        e morrer

                        por nada.

domingo, 17 de maio de 2020

vc.

talvez eu devesse deixar de te escrever
e economizar a bateria de meu celular
guardar para o futuro: o tempo e a energia
e aprender a esperar sem medo de morrer

no fundo eu admiro essa capacidade de espera
a se esconder tranquilamente dentro de vc.
mas percebo um grande esforço vindo
diretamente daí até aqui: eu sinto e morro

mas continuo a te escrever porque não há
escapatória: da pandemia e de vc.

meus dedos ansiosos digitam letras soltas
e esperam pelo toque de sua resposta
surgindo em meu telefone como se fosse vc.
a entrar subitamente dentro de mim

drummond poderia me dizer que esta
quarentena está a botar toda gente comovida
quem sabe seja essa a verdade
mas hoje eu a senti e a sentindo eu morri

pensei em toda gente pelo mundo sem saber
como sair e que aos poucos se foram muitos
e ainda há os que andam por aí e os sensatos
a enlouquecer no chão da sala de casa

afinal
no final não vamos todos morrer?
a verdade é uma

lembro-me muito dos que aqui estiveram
comigo e em mim e eu
descobri que posso parecer equilibrada
como vc. – que também nasceu em uma
quarta-feira (quem nasce nas quartas tem
cara de sério? vc. sim ao menos para mim)

é claro que pensei pesquisei procurei por vc.
há centenas de pessoas caminhando por aí...
como se nada fosse algo relevante a se dizer
falam pouco e andam muito com a certeza
sob as mãos e eu me perdi no meio delas
sem notar que entre elas não há uma como
vc.