segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Dois

Era magro. Tinha mãos macias e dedos compridos, um sorriso delicado, com dentes perfeitos. Eu observava durante horas os seus lábios rosados, pequenos e úmidos. Ele dormia como criança, algumas vezes movia a cabeça de um lado para o outro, mas permanecia daquele jeito, um pouco virado para a esquerda, com o joelho direito levemente dobrado. Quando acordava, abria os olhos com muita calma, mexia nos cabelos escuros, fazendo com que os seus cachos balançassem como se estivessem dançando mambo. Aos sábados à tarde era quando ele lia Gabriel García Márquez, devorava durante horas a fio alguma obra do autor. Depois levantava e vinha acariciar meus cabelos, minha nuca, beijava minhas costas, descia pelo ombro até chegar nas pontinhas dos meus dedos, onde eu podia sentir com mais intensidade a umidade dos seus lábios sempre corados. Era gelado. Possuía braços magros e brancos, como algodão, os seus olhos eram cor de mel, com lindas pestanas compridas e as sobrancelhas, não há como descrever, com um desenho único, belas, grossas e escuras, que reforçavam a profundidade do seu olhar. Um olhar único. Todos os dias eu me apaixonava por ele, todas as noites eu sonhava com ele. Conversávamos sobre vários assuntos, dávamos risadas até lágrimas saírem dos nossos olhos, nos amávamos com muita intensidade, eu descansava em seu colo, tomávamos chocolate quente com bolachas de polvilho, que eram as suas preferidas, ouvíamos Oasis, assistíamos algum filme francês e depois tentávamos imitar os atores principais. De madrugada, quando o sono não vinha, assistíamos Peanuts, ele dizia que eu era parecida com a Lucy van Pelt, eu o chamava de "Minduim", ele queria ser o Linus. Nós éramos amigos, melhores amigos, nós éramos namorados. Nos entendíamos só pelo olhar, se eu estava entediada, ele tentava me animar, quando me sentia sozinha, ele me abraçava durante longos minutos. Nos perdemos. Não sei explicar o porquê. Mas nos perdemos, apenas isso. Talvez porque fossemos jovens demais ou porque tínhamos outro objetivos. Foi em uma tarde de julho, ele estava indo estudar na capital, em setembro eu iria morar na Argentina. Possuíamos muitas coisas em comum, mas não conseguíamos ter os mesmos planos para o futuro. A distância não o tirou do meu coração, nem fez com que eu esquecesse tudo o que vivemos juntos, toda a simplicidade que fazia parte da nossa rotina, o carinho que sentíamos um pelo outro. Nada foi apagado da minha memória. Apenas nos perdemos... Mas isso não quer dizer que, talvez um dia, não nos encontremos de novo, com novas experiências e, assim, possamos fazer planos para o futuro. Um futuro a dois.