sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Poema do fim



Havia, em seus olhos, o reflexo do seu eterno
amor e, nos lábios, o desejo de um doce beijo.  
Na cútis, estavam enterrados os sentimentos
sucumbidos e alguns fragmentos dos antigos
temores causados por outros perenes amores.


Por ausência de diálogos, sobraram palavras.
Prantos iniciaram quando sorrisos findaram.


Já não mais dormia, ao seu lado, o moçoilo
dos olhos turvos. Não mais havia poesia ou
prosa em seus manuscritos hodiernos que
se mostravam como profundos traços num
papel umedecido pelas letras do seu choro.


Ao fim,  
há somente
o fim.

quarta-feira, 6 de agosto de 2014

Não se esqueça de algumas coisas se eu morrer



Se eu morrer em uma manhã de sábado,
à noite, não deixe de ir ao cinema e, após,
não se esqueça de beber algumas cervejas
com o  pessoal de sempre ou até mesmo só.
Caso eu morra na Colômbia ou no México,
sem ter dado notícias nas últimas semanas
nem postado uma foto em qualquer rede social,
não durma até o nascer do sol – deixe que a aurora
invada a sua pele para que você possa sentir o meu abraço.
No caso de eu vir a falecer em um dia de chuva, deixe todos os meus
converses do lado de fora da nossa casa e observe cada gota molhar
a única parte da minha efígie que remanesceu visível.
Se a causa do meu óbito for triste, jogue fora o 
Unknown Pleasures que eu comprei em Porto Alegre
e, durante uma semana, somente ouça as marchinhas
do Haroldo Lobo, que a tristeza irá embora...
Porém, se eu morrer dormindo, depois de uma noite de amor,
antes de ir ao meu funeral, tome café da manhã na padaria que
fica na outra esquina e coma todos os pães de queijo que puder.

Quando a minha vida cessar, não deixe que a sua também se encerre,
apanhe a minha mochila vermelha, e vá ao norte mais longínquo que
há na  Terra, e conheça pessoas amarelas, e continue se apaixonando,
e beba novas comidas, e coma novas bebidas, e não se transforme em
um bitolado melancólico chato do caralho!

Quando a morte chegar, lembre-se de que ela é banal, vulgar & trivial.
E o mais importante: não a encontre antes de mim.

domingo, 3 de agosto de 2014

sou introspecção



o que sou daquilo que sobrou de mim
de cada pessoa em que estive e deixei
um pouco do meu desatino infiltrado
em suas peles cândidas e trigueiras e
apenas sensíveis epidermes

o que sou daquilo que furtei de todos
aqueles que superfluamente persuadi
declarando a minha gentileza esnobe
e também esta leviandade presunçosa
que deseja rija defloração

o que sou daquilo que deixei de fazer  
das coisas que idealizei e não expandi
das truculências que não cometi e de
todos os sentimentos que não provei
logo contraí o que não obtive

eu sou o resultado daquilo que não fiz
e dos trecos que experimentei e exaltei
sou o vazio que não conheci e a lacuna
em que me introduzi silente para achar
aquilo que na verdade sou