sábado, 15 de agosto de 2020

confissão

 não cabe em mim

                        a saudade

de cedo ver o sol

                        do campo

confesso em parte

                        a verdade

de não mais sofrer

                        um tanto


não

                        cabe agora

o vazio


esquecido há muito

tempo              aqui

e deixado de lado e


em vão


seria te ligar à noite

falar       e       ouvir

depois    e    sozinha

             morrer


... 


                        e morrer

                        por nada.

domingo, 17 de maio de 2020

vc.

talvez eu devesse deixar de te escrever
e economizar a bateria de meu celular
guardar para o futuro: o tempo e a energia
e aprender a esperar sem medo de morrer

no fundo eu admiro essa capacidade de espera
a se esconder tranquilamente dentro de vc.
mas percebo um grande esforço vindo
diretamente daí até aqui: eu sinto e morro

mas continuo a te escrever porque não há
escapatória: da pandemia e de vc.

meus dedos ansiosos digitam letras soltas
e esperam pelo toque de sua resposta
surgindo em meu telefone como se fosse vc.
a entrar subitamente dentro de mim

drummond poderia me dizer que esta
quarentena está a botar toda gente comovida
quem sabe seja essa a verdade
mas hoje eu a senti e a sentindo eu morri

pensei em toda gente pelo mundo sem saber
como sair e que aos poucos se foram muitos
e ainda há os que andam por aí e os sensatos
a enlouquecer no chão da sala de casa

afinal
no final não vamos todos morrer?
a verdade é uma

lembro-me muito dos que aqui estiveram
comigo e em mim e eu
descobri que posso parecer equilibrada
como vc. – que também nasceu em uma
quarta-feira (quem nasce nas quartas tem
cara de sério? vc. sim ao menos para mim)

é claro que pensei pesquisei procurei por vc.
há centenas de pessoas caminhando por aí...
como se nada fosse algo relevante a se dizer
falam pouco e andam muito com a certeza
sob as mãos e eu me perdi no meio delas
sem notar que entre elas não há uma como
vc.

segunda-feira, 2 de março de 2020

primeiro sobre evaristo

fui ao supermercado mais cedo do que
normalmente costumo ir e talvez essa tenha
sido a primeira vitória do mês ou deste ano
eu comprei poucas coisas e uma garrafa d’água
que derrubei na metade do caminho do lado
de uma árvore que fica na esquina da minha casa
desperdicei cinquenta por cento daquele líquido
que eu poderia ter tomado mais tarde ou de manhã
antes de ingerir um comprimido de ibuprofeno
e depois de engolir – que é para não ficar engasgada
(mais do que já tenho estado – engasgada) – a fim de
curar minha garganta que segue meio dolorida
desde a semana passada (na verdade há uns três
ou quatro dias) depois de ter falado um monte
de bobagem – que para mim até faz sentido:
eu chorei quando meu gato se deitou ao meu lado
e me deixou acariciar sua barriga sem temor
em um ato de confiança que jamais havia visto
antes em toda a minha vida e depois talvez também
é que eu não confio e nunca vi alguém confiar assim
em mim de volta e de um jeito tão cheio de amor

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

escrita

espero as curtas cartas
de canetas esferográficas
ou ao menos mensagens
de ambientes cibernéticos

frases
textos
versos

algo que se mostre adverso
ao inverso do reverso
do que poderia ter sido:
um verso

mas não foi

não espero essas coisas que a gente
somente diz
porque só dizer não é o bastante

eu quero ler o giz
riscar a palavra do seu nome
junto à letra que forma
a forma do meu