quinta-feira, 25 de abril de 2019

espaço e tempo: as caixas

choveu tanto que todas as caixas derreteram sozinhas
deixadas ao lado de sacos de lixos na calçada da rua
da minha casa e continuou chovendo muito que sequer
saí para fora do escritório depois do fim do expediente
e não comprei café e água ou chá e vinho e qualquer
coisa que possa me alimentar e também te alimentar
porque eu sempre me preocupo se tu vais passar fome
depois de me aguentar por quatro horas reclamando
que já não tenho minutos para gastar em algumas folhas
de processos velhos refertos de ácaros e de mentiras
e quando parar de chover – porque em um momento,
meu amor, não haverá mais chuva – não perderei o meu
tempo já chamado de subjetivo ou de noção a priori
e como kant negarei a realidade dele e penso que pelo
bem do sujeito desta oração farei o mesmo conosco
sem arrependimentos ou sentimentos e ressentimentos
então depois de encerrado todo o dilúvio e de toda água
potável haver acabado tu compreenderás que era fonte
esgotável em um tempo de intuição interna não real
como objeto e que não será possível reconstruir as caixas
que foram deixadas sozinhas do lado de fora da casa

sábado, 6 de abril de 2019

na cidade

à noite o céu é mais bonito no campo
inventam-se estórias sobre cometas
e crenças antigas dos pais dos avós
acompanham o vento que apaga o fogo
no chão as veredas perenes são firmes
distantes estão as metrópoles e seus guetos
e dentro o desejo de sair em silêncio
árduo êxodo de lembranças bucólicas
o campo carrega muitos segredos
em contrapartida no céu da capital
há menos pingentes e vaga-lumes
as luzes acendem sozinhas à noite
na esquina da rua e inertes na sala
vidraças trincadas prendem o ar
sufocadas como se doentes fossem
nas janelas dos prédios de hospitais
denominem independência moderna
individualista ou qualquer terminologia
solta em um artigo de revista digital
o tempo é honesto de certo modo
parados estavam os dois quando
perderam o medo do movimento
como quem se perde na cidade
perderam-se imóveis do lado
oposto de cada calçada deserta
uma rua referta de carros blindados
inquieta paisagem contemporânea
a cidade ajuda a guardar os segredos