sábado, 23 de fevereiro de 2013

Não-soneto de dois amores

Conquistei o seu amor e a sua libido;
explorei a sua pele e os seus cabelos;
roubei a sua alegria, a sua cama
e os lençóis; comprei os seus risos
e as suas lágrimas, mas sem trapacear,
apenas com o engodo dócil do prazer.


Não me dei por inteiro,
não fui ao funeral do seu avô,
não comprei flores nem bombons,
mas compareci na sua apresentação de balé.
Escrevi alguns poemas eróticos
e os consagrei a você.


Você foi o meu melhor sorriso,
o meu melhor gracejo e também
o meu melhor beijo.
Foi uma manhã de inverno
com uma xícara cheia de chá
e foi uma noite de julho
com uma taça de vinho tinto.


Eu fui o seu melhor cicerone,
o seu melhor domingo à tarde
e também a sua melhor melodia.
Fui júbilos e melancolias,
fiz cantilenas e a tranquei
na torre mais alta da minha ternura.


Você me amou do seu jeito,
sem medo, sem segredos,
eu amei os seus olhos que,
por baixo das lentes do seu óculos,
imploravam, desesperadamente, amor;
eu amei a sua pele pálida e a sua voz grave,
também amei o seu sorriso tímido
e tudo o que você causava em mim.


Você amou, mas não foi o suficiente;
eu amei, mas não amei o bastante.

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Inverno de 88

Eu sonhei com o inverno de 88
e, no sonho, você estava sem cachecol,
mas usava uma touca cinza e luvas pretas
que cobriam os seus dedinhos finos.
No sonho, você beijava a minha bochecha,
fria e vermelha, enquanto eu fumava um cigarro.
Sonhei com o seu olhar tímido
e pude ouvir a sua voz, levemente enrouquecida,
declarando o amor que, de alguma forma, existia.
Foi um ato poeticamente poético,
foi poesia pura para a minha amargura.

Sonhei com sentimentos nítidos e congelei,
no espaço mais casto do meu cérebro,
o seu sorriso pacífico.
Invadi as minhas lembranças esquecidas
e abusei dos meus desejos suicidas,
mas não rompi os laços que me uniam a você.
Sonhei bonito, sonhei sem medo, sonhei um devaneio eterno,
mas não o guardei, porque sonhei para o vento,
sonhei para o cosmos, sonhei um sonho que não se fez real.

A única diferença entre o meu sonho
e o inverno de 88 – infelizmente,
foi a realidade.

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Tarde demais


Quando percebi que, o seu sorriso comprometedor,
afastava-se dos meus olhos enamorados,
nadei até a superfície da realidade,
mas era tarde demais.

Quando reparei que, o cheiro de amêndoas da sua pele,
não fundia-se mais ao meu cerne,
sucumbi aos deuses do Olimpo,
mas era tarde demais.

Quando encontrei, vazia, a nossa casa,
descobri, em mim, a sua tristeza
e pedi perdão por ser assim,
mas era tarde demais.

Quando compreendi que, ao meu lado,
você não desejava permanecer
e que, sobre mim, não queria saber,
escrevi estes versos tristes,
apesar de ser tarde demais.