domingo, 17 de maio de 2020

vc.

talvez eu devesse deixar de te escrever
e economizar a bateria de meu celular
guardar para o futuro: o tempo e a energia
e aprender a esperar sem medo de morrer

no fundo eu admiro essa capacidade de espera
a se esconder tranquilamente dentro de vc.
mas percebo um grande esforço vindo
diretamente daí até aqui: eu sinto e morro

mas continuo a te escrever porque não há
escapatória: da pandemia e de vc.

meus dedos ansiosos digitam letras soltas
e esperam pelo toque de sua resposta
surgindo em meu telefone como se fosse vc.
a entrar subitamente dentro de mim

drummond poderia me dizer que esta
quarentena está a botar toda gente comovida
quem sabe seja essa a verdade
mas hoje eu a senti e a sentindo eu morri

pensei em toda gente pelo mundo sem saber
como sair e que aos poucos se foram muitos
e ainda há os que andam por aí e os sensatos
a enlouquecer no chão da sala de casa

afinal
no final não vamos todos morrer?
a verdade é uma

lembro-me muito dos que aqui estiveram
comigo e em mim e eu
descobri que posso parecer equilibrada
como vc. – que também nasceu em uma
quarta-feira (quem nasce nas quartas tem
cara de sério? vc. sim ao menos para mim)

é claro que pensei pesquisei procurei por vc.
há centenas de pessoas caminhando por aí...
como se nada fosse algo relevante a se dizer
falam pouco e andam muito com a certeza
sob as mãos e eu me perdi no meio delas
sem notar que entre elas não há uma como
vc.