Em The Cat Inside – um livro que emprestei há alguns anos e até hoje não recuperei –, William Burroughs escreveu que cães começaram como sentinelas e que gatos, por sua vez, como companheiros psíquicos (e não como meros protetores de grãos dos ratos no Egito antigo). É bem possível que isso seja uma verdade, pois penso que os gatos nunca se afastaram dessa função. Burroughs ainda relatou que os felinos não oferecem serviços. Pragmaticamente, eles se oferecem. Nesse ritual milenar, Evaristo e Galeano – os meus gatos – exoticamente passam pelos dias fazendo o que querem (ou o que podem) e, quem sabe conscientemente, sendo parceiros mentais/amigos espirituais. Diferentemente do que dizem, assemelham-se muito a humanos e, parafraseando William Burroughs, talvez nós sejamos os gatos por dentro e – para nós – realmente exista apenas um lugar.
CAOS ETERNO
sábado, 9 de novembro de 2024
segunda-feira, 30 de setembro de 2024
teu peito na terra tem mais raiz do que um umbu
teu peito na terra tem mais raiz que uma grande árvore
maior e profundo parecendo até um solitário umbu
coloca-me a arder na sombra de folhas em dia de sol
e tento não me mover com medo de quebrar os galhos
frágeis de umbu enquanto sem sono e com muito receio
penso que essa madeira não serviria para nos fazer casa
mas o tronco é tão largo e as raízes por cima da terra
parecem prometer que todo esse descampado poderia
ser inteiramente nosso lar como se tropeiros fossemos
daqueles que sozinhos descansam à sombra do umbu
então por que não fazer desse pampa um pouco de casa
criar paredes e teto e pendurar quadros e espelhos
em teu peito que na terra tem mais raiz que uma árvore
e eu nem sei se tu já sabes ou se poderia um dia perceber
que essas raízes por cima do verde são todas tuas
e a casa que criei com as madeiras frágeis já tem chão
então mesmo que partisse deixaria porta e janela e coração
abertos mas eu juro que não poderia sair sem falar o quanto
adorei estar e ser por aqui e é verdade que a árvore e a
casa
e as coisas e a gente poderiam valer algo e eu seria capaz de dizer
que a gente e as coisas e a casa até mesmo combinariam
melhor
se não fossem os galhos quebradiços e cheios de certeza
pensando serem melhores que todas essas raízes
que da terra fogem e sobem por cima do verde
que do teu peito fogem e sobem por cima de mim
domingo, 29 de janeiro de 2023
tempo no pampa
da última vez em que cruzei o pampa
o
peso do verão derrubava cercas
e
matava a gente de sede
além
das coxilhas o gado corria
no
solo arenoso
campanha
adentro debaixo do sol
o
tempo parecia andar para trás
como
se a menina da manhã
à noite
estivesse dentro da mãe
mas o velho do pampa
há uma vida parado
sozinho
dizia que não
domingo, 6 de novembro de 2022
espero que um dia você seja madeira maciça ou nome de praça
a casa parecia cheia pela primeira vez:
os gatos, a york e os
livros
na estante de madeira que
comprei de
um marceneiro do interior
das missões
do outro lado do quarteirão
havia a
antiga residência do
érico v.
nela luís f. v.
descansava e talvez ainda
escrevesse notas curtas
em um computador
érico, o marceneiro e eu:
todos em êxodo rural –
das missões à capital
depois da terra vermelha,
o lago marrom
(distante por trás de
prédios cinzas) reluziu
porto alegre nos fez melhor
e cada um viveu seu amor
domingo, 24 de abril de 2022
trinta do nove
de 1992 até aqui
não poderia ter a certeza
de como seria a vida
e de todas as vezes que
eu fugiria
talvez não seja um
problema ser só
e saber socorrer quem
pensa que tempo é descanso
quantos meses se
perdem
em um ano?
– tanta gente parada
a morrer –
então corro tão
rápido
e por quê?
se as dores que ficam
são minhas
e os amores que
passam também
já não sei se o andar
é tranquilo
ou se deus não existe
outra vez
tenho deixado a fé para
depois
(e os pirrônicos esquecidos
ao lado)
são dias e noites de
amor e de guerra
leio e releio e escrevo
os gatos por dentro e
por fora
de 2022 até o dia em que nasci
terça-feira, 4 de janeiro de 2022
beach baby (aquela música de quando entramos no mar)
recentemente pensei em ti
"beach baby" e kombucha de hibisco
meu mar aberto e tuas mãos molhadas
tranquilamente me vi aqui
comprando novos livros velhos
no sebo do centro — que te mostrei
talvez os leia no próximo ano e
quem sabe te veja também.
praça estado de israel, 30 de dezembro de 2021.
segunda-feira, 19 de abril de 2021
cata-vento
se no outro hemisfério o sentimento
é a fronteira da espera
talvez neste ele seja
forasteiro de
alguma nova era
então é melhor deixar
morrer no mar
a âncora
e percorrer todo
caminho como
nômade
até as mãos não terem
mais dedos
a contar tempo
e os braços irem contra a correnteza
como cata-vento