I
Dentre as venustas hetairas,
com seus cabelos tingidos, olvidadas
em letras de livros, de escritos históricos,
prima-se Aspásia, sofista
cortesã, nascida em Mileto, amante de
Péricles, egéria de Sócrates.
Sábia, sabia gozar. Gozava de prestígio na
sociedade de maridos de
mulheres que em seus lares adormeciam
abstraídas com suas filhas.
Na face de toda menina transmutada em mulher
refletia uma das três
fêmeas de Demóstenes, assim permanecendo até
o instante em que
algumas pequenas pícaras se metamorfosearam
em rebeldes medusas.
II
Todas mulheres, chamadas de bruxas, de putas,
poetisas despidas de
preces, cruas, fugindo de catedrais góticas e
confundindo os mortos,
que habitavam sepulcros sem luz, com
fantasmas religiosos sem fé.
Joanas desciam à força de seus cavalos,
cuspidas, surradas, afoitas,
madalenizadas dirigiam-se ao crucifixo
sagrado no altar do perdão.
“Espero-te, por dentro, desnuda”, disse a
primeira a sentir a brasa
cáustica nascida do ódio figadal dos piedosos
crentes dos últimos
dias medievais do século XV do Calendário
Juliano da Era Comum.
III
Mulheres nativas do solo latino corriam na
mata enquanto seus pares
dormiam na morte. Capturadas por Quixotes,
reclusas em moinhos de
vento, golpeadas pelo tempo eurocêntrico e
pelo conceito dos brancos,
cobriam seus seios com o sangue escorrido
sobre suas peles morenas
e no peito carregavam forçosamente a cruz
missioneira, suportando o
peso de um dos maiores símbolos de opressão –
ainda hoje louvado –
deste pálido ponto azul, chão de índias que já
não dançam por chuva,
cultura e amor, mas que chovem em lágrimas refertas
de corte e de dor.
IV
Femininas, sovietes, francesas, latinas,
chinesas. Renascem todos os
dias. Marias, Cecílias, Carmelas, Sofias,
Emílias. Adormecem todas as
noites. Mulheres sorrindo sem pudor, como
quis Clarice, e despidas de
silêncio. Fêmeas, irmãs, amigas, mães, proletárias,
independentes de
paixão. Demasiadamente vivas, sinteticamente duras,
plenas de frases
sobre as linhas dos corpos, sobre as páginas
da existência, sob o céu
surreal, e, apesar de apagadas dos escritos
da Estória, sempre haverá,
na História, o sangue escuro de cada uma das
vítimas do machismo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário